Sete Livros
Quarta–feira

“Quarta-feira: o tempo das cerejas estreou no início de Junho de 2018, no Teatro Municipal Maria Matos, na última edição do Alkantara Festival comandada por Thomas Walgrave, que fora o cenógrafo e desenhador de luz das duas peças anteriores, e um verdadeiro compagnon de route. O cenário inicial era uma plataforma, como no espetáculo anterior, mas desta vez crua, sem tapetes nem alcatifas, apenas um conjunto de placas de gesso laminado, presas umas às outras, debaixo das quais se ouvia bater, raspar e arrastar, como se alguém quisesse sair. Em frente, na tela, viam-se, às vezes, imagens vídeo do que alguém fazia lá em baixo. Aos poucos, abria uma fenda, depois um buraco por onde passasse o braço e daí a pouco as placas deram lugar a uma cratera, feita de baixo para cima, de onde saíam duas figuras de capuz e máscara protetora, muito empoeiradas, vitoriosas do duelo final contra o pladur. De certo modo, era como se voltasse, desta vez acompanhada, a figura que tinha ido para baixo do tapete, no final de Terça-feira. Na tela, além dos surtos de vídeo iniciais, tinham sido também projetadas legendas que estabeleciam uma cronologia, narrando a marcha triunfal do neoliberalismo desde 1971, cem anos depois da Comuna de Paris evocada no subtítulo, até ao presente. Em 2018, esgotada de factos históricos, a cronologia não parava, seguindo agora com perguntas, até 2071, novo tempo das cerejas. Entretanto, cá em baixo, os dois escavadores tinham dado lugar a duas marionetas e o cenário mudara de escala, fazendo a cratera parecer cada vez maior. A perfuração do pladur e as marionetas mirando a cratera levavam o espectador a imaginar vários cenários, enquanto as referências específicas das legendas fixavam o sentido da história. A aridez da paisagem evocada e a secura do texto projetado não deixavam margem para dúvidas sobre o assunto da peça: a escolha entre o fim do mundo e o fim do capitalismo. Ao espectador, como ao leitor, cabe eleger o destino em comum.”

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Quarta-feira

“Quarta-feira: o tempo das cerejas estreou no início de Junho de 2018, no Teatro Municipal Maria Matos, na última edição do Alkantara Festival comandada por Thomas Walgrave, que fora o cenógrafo e desenhador de luz das duas peças anteriores, e um verdadeiro compagnon de route. O cenário inicial era uma plataforma, como no espetáculo anterior, mas desta vez crua, sem tapetes nem alcatifas, apenas um conjunto de placas de gesso laminado, presas umas às outras, debaixo das quais se ouvia bater, raspar e arrastar, como se alguém quisesse sair. Em frente, na tela, viam-se, às vezes, imagens vídeo do que alguém fazia lá em baixo. Aos poucos, abria uma fenda, depois um buraco por onde passasse o braço e daí a pouco as placas deram lugar a uma cratera, feita de baixo para cima, de onde saíam duas figuras de capuz e máscara protetora, muito empoeiradas, vitoriosas do duelo final contra o pladur. De certo modo, era como se voltasse, desta vez acompanhada, a figura que tinha ido para baixo do tapete, no final de Terça-feira. Na tela, além dos surtos de vídeo iniciais, tinham sido também projetadas legendas que estabeleciam uma cronologia, narrando a marcha triunfal do neoliberalismo desde 1971, cem anos depois da Comuna de Paris evocada no subtítulo, até ao presente. Em 2018, esgotada de factos históricos, a cronologia não parava, seguindo agora com perguntas, até 2071, novo tempo das cerejas. Entretanto, cá em baixo, os dois escavadores tinham dado lugar a duas marionetas e o cenário mudara de escala, fazendo a cratera parecer cada vez maior.

A perfuração do pladur e as marionetas mirando a cratera levavam o espectador a imaginar vários cenários, enquanto as referências específicas das legendas fixavam o sentido da história. A aridez da paisagem evocada e a secura do texto projetado não deixavam margem para dúvidas sobre o assunto da peça: a escolha entre o fim do mundo e o fim do capitalismo. Ao espectador, como ao leitor, cabe eleger o destino em comum.”

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