Sete Livros
Terça–feira

“Terça-feira: tudo o que é sólido dissolve-se no ar estreou em Março de 2017, cerca de um ano depois da primeira peça. A Europa não só continuava presa ao dogma neoliberal, como mostrara uma face ainda mais odiosa. Desde há vários anos que morriam milhares de migrantes africanos no Mediterrâneo, ao tentarem fazer a travessia marítima, e que outros ficavam detidos em campos de refugiados, para serem deportados. Mas agora somavam-se a essas pessoas os refugiados sírios, que faziam o caminho a pé, atravessando a Turquia e outros países do Levante, para serem igualmente retidos em condições desumanas. O conflito no Médio Oriente e as migrações forçadas tinham chegado ao continente europeu, 50 anos depois da fundação do Estado de Israel. O cenário era uma plataforma coberta por uma alcatifa negra onde os dois criadores iam desenhando, com fio branco, uma série de figuras, inspiradas nos filmes de animação de Luciano Cavandoli, La Linea. Ao fundo, numa tela, eram projetadas frases que completavam o sentido das imagens delineadas. Num tom aparentemente neutro, o texto ia desenrolando o fio de uma parábola realista, repleta de factos históricos, que contava a desventura de uma figura imaginária, Omar. Vindo da Síria, este menino de dez anos não poderia ser qualquer um de nós — jamais, frisa o texto — apesar de todos nos vermos vinculados a ele. Som, imagem, movimento e texto eram cuidadosamente desfasados uns dos outros (e manipulados à vista de todos), para causar estranheza e reflexão. Ao mesmo tempo, a combinação das palavras com as figuras, os ruídos e os corpos gerava uma sequência de símbolos que dava aos argumentos e factos apresentados forte carga emocional e íntima, alargando o círculo dos implicados no tema de modo a incluir tanto os espectadores presentes na plateia como os responsáveis políticos europeus.”


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Terça-feira

“Terça-feira: tudo o que é sólido dissolve-se no ar estreou em Março de 2017, cerca de um ano depois da primeira peça. A Europa não só continuava presa ao dogma neoliberal, como mostrara uma face ainda mais odiosa. Desde há vários anos que morriam milhares de migrantes africanos no Mediterrâneo, ao tentarem fazer a travessia marítima, e que outros ficavam detidos em campos de refugiados, para serem deportados. Mas agora somavam-se a essas pessoas os refugiados sírios, que faziam o caminho a pé, atravessando a Turquia e outros países do Levante, para serem igualmente retidos em condições desumanas. O conflito no Médio Oriente e as migrações forçadas tinham chegado ao continente europeu, 50 anos depois da fundação do Estado de Israel.

O cenário era uma plataforma coberta por uma alcatifa negra onde os dois criadores iam desenhando, com fio branco, uma série de figuras, inspiradas nos filmes de animação de Luciano Cavandoli, La Linea. Ao fundo, numa tela, eram projetadas frases que completavam o sentido das imagens delineadas. Num tom aparentemente neutro, o texto ia desenrolando o fio de uma parábola realista, repleta de factos históricos, que contava a desventura de uma figura imaginária, Omar. Vindo da Síria, este menino de dez anos não poderia ser qualquer um de nós — jamais, frisa o texto — apesar de todos nos vermos vinculados a ele. Som, imagem, movimento e texto eram cuidadosamente desfasados uns dos outros (e manipulados à vista de todos), para causar estranheza e reflexão. Ao mesmo tempo, a combinação das palavras com as figuras, os ruídos e os corpos gerava uma sequência de símbolos que dava aos argumentos e factos apresentados forte carga emocional e íntima, alargando o círculo dos implicados no tema de modo a incluir tanto os espectadores presentes na plateia como os responsáveis políticos europeus.”

Jorge Louraço Figueira

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